Homilia - 14/02/2016 - 1º Domingo da Quaresma
Iniciamos, na quarta-feira passada, o tempo da quaresma. A palavra Quaresma quer dizer quarenta dias. É um tempo de quarenta dias de reflexão e de penitência a que somos convidados para que sejamos dignos de comemorar a nossa salvação que nos veio pela morte de Jesus Cristo na cruz e, para que sejamos dignos de participar da ressurreição de Cristo e da nossa própria ressurreição.
A Quaresma é um tempo onde buscamos o silêncio para nos encontrar com Deus e nos encontrar conosco mesmos analisando o nosso modo de viver e, assim, possamos ser discípulos e discípulas fieis do Senhor.
Não deve ser um tempo de tristeza, um tempo de andarmos com a cara amarrada como se fôssemos criminosos condenados a quem se nega o perdão.
Pelo contrário! A Quaresma deste ano está marcada pela luz do Ano Santo da Misericórdia. Portanto, de modo muito especial, a Quaresma é um momento forte na Igreja, no qual somos chamados a refletir sobre a misericórdia divina em nossa vida.
Somos convidados a converter-nos, para que possamos ser misericordiosos como misericordioso é Deus. Evidentemente, jamais alcançamos a perfeição da misericórdia de Deus em nossas vidas, mas que nossos atos sejam dirigidos por atitudes de misericórdia. Atitudes que consideram a miséria de irmãos e irmãs sofredores — nos sofrimentos de todos os tipos, sejam físicos, morais, psicológicos, espirituais — e sejamos capazes de estender nossa mão para erguê-los. É com esta luz que iremos caminhar na Quaresma deste ano de 2016.
A Quaresma é este tempo propício, este tempo de conversão para que nossas responsabilidades sejam assumidas com sempre maior empenho.
Um destes empenhos vem da Campanha da Fraternidade, que neste ano de 2016, convida-nos a considerar a nossa casa comum, inspirando-se em Papa Francisco, na Encíclica “Laudato si”, como ela denomina a criação e, especialmente, a terra.
Nós não recebemos a terra e a criação das mãos de Deus para ser explorada irresponsavelmente, mas que fosse administrada por nós, em vista do bem de todos, indistintamente.
A criação não deve ser motivo de divisões sociais capazes de criar fossos intransponíveis entre ricos e pobres, como vem acontecendo. Por isso, um chamado de atenção para nossa responsabilidade diante da natureza, especialmente naquilo que Papa Francisco denomina de ecologia humana.
O tema central do evangelho é a tentação. Tentações não faltam em nossa vida, e são bem sedutoras. Caímos em tentações porque elas aparecem como algo bom, atraente. É assim, por exemplo, com a droga. Se ela não provocasse, pelo menos, no início, uma sensação de prazer, ou talvez de alívio, ninguém se tornaria dependente.
O episódio das tentações de Jesus narrado no evangelho abre muito bem a nossa reflexão da Quaresma quando analisamos a nossa vida.. Jesus vai ter que vencer as tentações, para que não se desvie da tarefa que o Pai lhe deu.
Jesus conheceu a tentação da fome, mas recordou o ensinamento da Torá: “Não se vive só de pão” (Dt,8,3). Ninguém negará que dar pão aos famintos faz parte do projeto do Reino. No entanto, é bom lembrar que Jesus se queixou do “sucesso” obtido com a multiplicação dos pães, quando viu que, em vez de entender o significado do milagre como apelo à partilha, a multidão queria continuar recebendo comida de graça, sem esforço próprio.
Jesus conheceu a tentação de adorar um falso deus, que promete riqueza e prosperidade; mas respondeu com o mandamento de Deus: “Só a Deus adorarás” (Dt 6,13). O apóstolo Paulo, que entendeu bem como era o poder de Jesus, soube dizer: “quando sou fraco, aí é que sou forte”. Trata-se de outro jeito de poder, um poder que se mostra pela fidelidade total ao projeto de Deus.
O maior exemplo disso estamos vendo na pessoa de nosso Papa Bento XVI que entendeu que o papado é um serviço prestado ao Reino de Deus e não pode ser confundido com o poder deste mundo. E disse que depois de ter rezado viu que era necessário ter mais força, mais saúde, mais atenção ao momento da Igreja. Era necessário, com a mesma humildade com que aceitou ser Papa, renunciar a este oficio ministerial.
Jesus conheceu a tentação mais refinada que se pode imaginar, a de manipular o poder de Deus fazendo milagres sensacionais. Jesus fez milagres, muitos até! Mas o milagre não era o mais importante; o fundamental era o significado desses atos dentro do projeto de Deus. O maior milagre de todos foi a própria vida entregue por amor.
Terminado o confronto, feitas as devidas opções, o diabo afastou-se de Jesus. Um inimigo é derrotado.
O que diz a Palavra para nós?
Temos que admitir que vivemos num mundo de muitos e grandes conflitos. Lutamos constantemente contra forças “diabólicas” que desejam nos impedir de dar testemunho do Evangelho de Jesus Cristo, na construção de uma sociedade mais justa e fraterna.
Dois empenhos, o promovido pela Campanha da Fraternidade 2016 e aquele que vem do Ano Santo da Misericórdia, que nos ajudarão a viver de modo intenso e proveitoso a Quaresma deste ano de 2016. Rezemos para que Deus nos acompanhe com sua graça e com seu amor.
Frei Gunther Max Walzer