Homilia - 23/07/2017 -XVI Domingo do Tempo Comum
Há maldades que não conseguimos entender. Há pessoas que agem de forma tão cruel ou tão perversa que não parecem ser humanas. Parece que estamos diante de um mistério, o mistério do mal, o mal que procura seduzir e extraviar os seres humanos.Certos casos são, simplesmente, absurdos e horrorosos, provocam nojo e espanto.
Uma experiência assim encontramos na parábola de hoje, conhecida como a parábola do trigo e do joio. Ela começa relatando que “alguém semeou boa semente no seu campo”. Um dia, os servos observando o trigo crescer, descobriram joio no meio dele. Os servos, cheios de zelo, queriam logo arrancar o joio. O dono do campo preferiu aguardar, de modo que, junto com o joio, também o trigo fosse arrancado. Deixou para separar tudo no dia da colheita. Naquele dia, o joio poderia ser separado e queimado sem perigo de prejudicar a colheita do trigo.
Sabemos que havia “servos zelosos” entre os discípulos de Jesus. Um exemplo nos é dado quando Tiago e João queriam queimar uma aldeia de samaritanos, que não quis receber Jesus e os seus companheiros (Lc 9,54). O mesmo zelo aparece em João Batista, que, no mesmo discurso, ameaça duas vezes punir os maus e queimá-los, como palha no fogo (Mt 3,10-12).
Mas Jesus pensa e age diferente, porque acha que Deus também pensa e age de outra forma: sem excesso de zelo, com paciência e misericórdia.
Vamos verificar melhor qual é mesmo a vontade de Deus. Pela parábola do domingo passado (Mt 13,1-9), sabemos que Jesus falando da semente, está falando do Reino de Deus. O reinado de Deus está sendo semeado, plantado. Certamente, florescerá e vingará, dando a colheita que todos esperam. Mas agora – frisa a parábola de hoje - ainda não estamos no tempo da colheita. Somente fizemos a semeadura. É preciso esperar o crescimento.
Na realidade, Jesus sabe o que está em jogo é muito mais que a colheita no campo. Trata-se, como refletimos no início, do “mistério” do mal. Se esse desconhecido inimigo semeou no coração humano o mal, a perversidade, como Deus vai agir? Destruir logo o mal, sem olhar para as consequências? Muitas vezes no mal, mesmo na pessoa mais perdida, existe ainda um pouco de bem ou uma chance de conversão, de mudança. Um pouco mais de paciência, apesar de todos os riscos, não poderia obter um bem maior?
E se pensarmos em nós mesmos? Quem de nós poderia dizer que é tão perfeito e puro, que nada de mal tem em seu coração, em sua vida? Quem escaparia totalmente ileso, se os servos de Deus viessem hoje queimar todo o joio? Certamente, muito poucos, além de Jesus e de sua Mãe...
Se olharmos para dentro de nós, descobriremos que o trigo e o joio estão misturados não apenas no campo do mundo, mas no íntimo do coração humano. Realmente, é difícil separá-los, agora. É difícil até distinguí-los. Muitas vezes não nos aconteceu de julgar trigo bom o que era apenas joio e de pensar que fosse joio algo ou o ato de alguém que era bom? Deus, sim, na hora final da nossa vida, poderá distinguir, julgar com certeza e arrancar o joio e jogá-lo no fogo, assim como nós queimamos o nosso lixo. Mas considerará tudo o que de bom tivermos feito com a sua graça.
O que Jesus quer não é outra coisa a não ser esta: que a porta do Reino esteja aberta e os filhos entrem. Esta é a missão da qual Deus nos deu a chave. A indignação de Jesus é para com aqueles mestres “que não entram no Reino nem deixam os outros entrarem” (Mt 23,13).
O campo é o mundo, diz Jesus. Mas não está excluindo a Igreja. A Igreja não é uma arca de Noé contendo apenas poucos destinados à salvação. A Igreja é um campo onde trigo e joio se misturam. É o que ensina Santo Agostinho: “Quantas ovelhas estão fora e quantos lobos estão dentro”. A Igreja é o campo onde há também filhos das trevas e do pecado, joio, chamados porém a se tornarem filhos da luz, trigo bom, pela conversão e acolhida do Reino de Deus. A Igreja é o campo onde todos podem crescer, converter-se e experimentar a paciência de Deus. “Os maus existem neste mundo para que se convertam ou para que os bons exerçam a paciência para com eles” (Santo Agostinho).
O recado para nós:
O Evangelho de hoje é um convite a olhar o mundo de forma mais positiva “apesar do mal que nos cerca”. Sobretudo, é um apelo a agir como Deus age.
É o que podemos expressar com as palavras da primeira leitura tirada do livro da Sabedoria: “Senhor, tu julgas com clemência e nos governas com grande consideração pois, quando quiseres, está ao teu alcance fazer uso do teu poder. Assim procedendo, ensinaste ao teu povo que o justo deve ser humano; e a teus filhos deste a confortadora esperança de que concedestes o perdao aos pecadores” (Sb 13,18-19).
A paciência de Deus não consiste simplesmente em adiar a hora do castigo! Deus sempre dá um prazo maior porque quer, realmente, cuidar das pessoas, levá-las à conversão e à mudança de vida, mostrar a elas misericórdia e amor.
É assim que nós também nos comportamos com os irmãos, mesmo com aqueles que andam semeando joio em nosso campo e feriram o nosso coração?
Frei Gunther Max Walzer