Homilia - 04/03/2018 - Terceiro Domingo da Quaresma
Não podemos imaginar uma sociedade sem leis. Seria a maior desordem. Basta olhar como a desobediência às leis causam as maiores misérias: acidentes no trânsito, fraudes e corrupção nos negócios e na política, assassinatos, assaltos e violência, acumulação ilegal de riquezas e sonegação de impostos, e podemos ainda prolongar muito mais a lista.
Para uma sociedade justa, precisamos de leis justas e que o cidadão responsável obedeça a tais leis, consciente e livremente.
A primeira leitura do livro do Êxodo fala sobre a Aliança de Deus selada com seu povo. Deus libertou o povo da escravidão do Egito: "Eu sou o Senhor teu Deus que te tirou do Egito, da casa da escravidão". Deus se apresenta como libertador de uma das mais terríveis formas de violência contra a pessoa humana e contra a humanidade: a escravidão. A origem dos Dez Mandamentos está em Deus, que se apresenta como um "legislador" preocupado em libertar da violência que escraviza. Para o povo poder ser feliz, Deus lhe dá os mandamentos.
No contexto da Campanha da Fraternidade, lembro que a escravidão é a pior de todas as violências que existem contra uma pessoa. Um modo de superar a violência é tirando pessoas de escravidões, de vícios, de compulsões, de situações que machucam e matam a vida. E não estou falando aqui de gente que mora longe de nós ou do passado sombrio quando existia a escravidão no Brasil. Infelizmente, muitas famílias têm escravos de vícios, da bebida, da droga dentro de suas casas. São violências que escravizam. Deus libertador, oferece os Mandamentos para libertar. Quem segue os Mandamentos evita a violência e sente a alegria de ter paz no coração.
Juntamente com os Mandamentos, também o Templo indica um modo e um local de encontro com Deus. O Evangelho de hoje testemunha o zelo de Jesus pelo Templo, a ponto dele não suportar a violência feita ao Templo, transformando-o numa praça de comércio.
Já ouvimos muito dizer que Jesus veio trazer a paz, que ele era manso e humilde de coração. Verdade pura! Mas há um outro aspeto da personalidade de Jesus que é pouco mostrado.
A passagem do Evangelho de hoje nos apresenta Jesus chegando no templo por ocasião da festa da Páscoa. A praça da frente estava transformada num mercado. Há as bancas dos que trocam as moedas dos peregrinos e retêm para si uma boa porcentagem pelo serviço prestado; há os vendedores de cordeiros e os que negociam bois e outros animais. Todo este comércio é controlado por uma família muito poderosa de Jerusalém: a dos sumos sacerdotes Anás e Caifás.
O evangelista não nos diz o que Jesus sentiu quando chegou no templo. Jesus não diz uma palavra, faz um chicote com as cordas nas quais estão amarrados os animais e começa a expulsar todos os vendedores e joga pelos ares as mesas, as cadeiras, o dinheiro, as gaiolas das pombas.
A reação de Jesus surpreende: ninguém poderia imaginar que ele pudesse chagar a um gesto tão violento. Sempre observamos Jesus calmo, manso, sorridente, tranquilo, mas nessa ocasião ele mostra um aspecto muito diferente. Vemos sua energia ou santa violência com os que oprimem o povo em nome da religião, que fazem da fé um negócio rendoso ou quem dá escândalo não observando os mandamentos. Jesus foi manso com os pecadores arrependidos.
Com os falsos religiosos e exploradores do povo Jesus foi muito duro. Aí está o Evangelho de hoje para tirar a prova.
Qual é o sentido desse procedimento estranho por parte de Jesus?
A explicação nos é dada por duas frases que Jesus pronuncia para comentar o que está fazendo.
A primeira: "Tirai daqui tudo isso e não façais da casa de meu Pai uma casa de negociantes".
Jesus declara que chegou o reino do Messias e condena de maneira enérgica qualquer mistura, qualquer confusão entre religião e interesses econômicos.
Esse ensinamento será sempre atual também para nós hoje. A história da Igreja está cheia de pecados dessa espécie. Devemos pedir perdão a Deus por tudo isso e cuidar para não repetir esses erros escandalosos.
O ensinamento mais importante, porém, é outro e é destacado pela segunda frase pronunciada por Jesus: "Destruí este templo e em três dias eu o reerguerei".
Nesse ponto Jesus não se referia mais ao comércio, mas fala da inauguração de um novo templo e do início de um novo culto.
Mas que templo novo é esse? Quando começou a sua construção? Quais são os sacrifícios oferecidos?
O novo templo não são as nossa igrejas de pedra ou as nossa capelas construídas de tijolos. Deus não necessita dessa casa para morar.
Ressuscitando dos mortos o próprio Filho, o Pai colocou a pedra fundamental do novo santuário. Em seguida, sobre essa pedra, ele colocou outras pedras vivas, que são os discípulos de Cristo. Todos juntos formam o corpo de Cristo, o novo templo onde Deus habita. Jesus ainda diz: "Se alguém me ama, observará a minha palavra; meu Pai o amará e nós viremos a ele e nele estabeleceremos a nossa morada" (Jo14,23).
Vejam, esta é a nova casa de Deus, o lugar onde ele habita: é Cristo e com ele toda a comunidade dos fiéis.
E os sacrifícios que lhe são agradáveis? Já não se trata das ofertas da carne e do sangue dos cordeiros, mas das obras de amor em favor de todos os filhos de Deus.
Devemos ter a plena convicção de que os nossos cantos, nossas procissões, as nossas cerimônias solenes não proporcionam nada para Deus. Os únicos sacrifícios que são agradáveis a Ele são as obras de amor, o serviço prestado ao ser humano, especialmente ao mais pobre, ao doente, ao marginalizado e excluído.
Agora, bem no meio da Quaresma, a Palavra de Deus convida-nos a descobrir a ira de Jesus no hoje de nossas vidas e de nossas comunidades eclesiais.
Hoje, somos convidados a interpretar, sem tirar o corpo fora, o sentido atual das chicotadas purificadoras, não como espectadores de umas cacetadas dirigidas a outros. Vamos consentir que o Senhor expulse de nossos templos interiores, de nossas comunidades, todo tipo de comércio, toda tentativa de comprar impunidade para nossas injustiças com outros templos humanos, por meio de "práticas" religiosas, toda ida ao templo para buscar refúgio ou segurança, sem conversão nem mudança de vida.
A Campanha da Fraternidade nos sugere respeitar a vida e a dignidade de cada pessoa, sem discriminação nem preconceitos.
Nos sugere a combater qualquer tipo de violência seja física, sexual, psicológica, econômica e social, especialmente, contra os mais fracos e vulneráveis, como crianças, adolescentes e idosos.
Nos sugere a partilhar o nosso tempo e os nossos recursos materiais, cultivando a generosidade, a fim de acabar com a exclusão, a injustiça e a opressão política e econômica.
Toda vez que fazemos algo pelo irmão, que também é morada de Deus, eleva-se para o céu o perfume de nossa oferta, e nós nos transformamos, unidos a Cristo, em templo de Deus.
Frei Gunther Max Walzer