Homilia -03/11/2019 - Solenidade de Todos os Santos
Ontem celebramos o Dia dos Finados. Lembramo-nos, com muito carinho e, quem sabe, com muita saudade, dos nossos falecidos entes queridos, familiares, amigos e conhecidos. Visitamos os cemitérios, levamos flores, rezamos por eles.
Hoje, celebramos a “Festa de Todos os Santos”. Parece que o povo dá mais importância à oração pelos falecidos do que à celebração dos santos gloriosos. Acha que os falecidos lhe estão mais próximos e precisam de muitas oração ... Por isso, Finados ganha de Todos os Santos. Também, o povo sofrido é mais sensível ao pensamento do sofrimento e da morte do que ao da glória. Parece que a “Glória” nunca conheceu sofrimento. Por isso, também, celebra-se mais a Sexta-Feira Santa que a Páscoa da Ressurreição!
Hoje, celebramos a Festa de Todos os Santos. Trata-se daqueles e daquelas que nós acreditamos já estarem no Céu, unidos plenamente a Deus.
Falar de santidade é um tanto complicado, pois ninguém se considera santo. Há quem diga: “Não sou santo, sou um ser humano!” para justificar um deslize, um pecado. Assim a santidade seria uma virtude de pessoas impecáveis.
Qual é a ideia que temos de santidade? O que é ser santo para nós? Às vezes o ideal de santidade nos parece muito distante, algo que não corresponde à nossa condição humana. Sempre tinha-se a ideia que somente alguns homens e mulheres, muito especiais, poderiam se tornar santos e santas. Logo pensamos na Irmã Dulce, Madre Paulina, Madre Teresa de Calcutá ou no Papa João Paulo II.
Os santos “canonizados” oficialmente pela Igreja Católica são vários milhares. Mas existe uma imensa quantidade de santos não canonizados, que já estão na presença de Deus no céu. A eles está dedicada esta festa de hoje.
Precisamos de santos e santas! Se pensarmos só naqueles que estão nos altares vamos contemplar só uma pequena parte dos que souberam ser fieis a Deus. Cada um de nós, com certeza, conhece pessoas de alta qualidade humana e caráter que souberam construir o bem. Não precisam ser perfeitos. Ninguém é, nem mesmo aqueles e aquelas que foram canonizadas. O Papa Francisco disse: “Entre os santos, estão muitas testemunhas de uma santidade ‘da porta ao lado’, daqueles que vivem perto de nós e são reflexo da presença de Deus".
Portanto, santos são vidas que se tornaram fonte e exemplo na construção de uma mundo mais fraterno e justo.
A primeira leitura do Apocalipse fala num desfile de 144 mil servos de Deus no céu. Não é um limite para indicar a “lotação” do paraíso. É um número simbólico. Mil significa “grande multidão” de gente de todos os povos, de antes e depois de Cristo.
Todos estes devem estar alegres e felizes, porque a recompensa deles já está guardada para toda a eternidade no Reino dos Céus. Eles serão consolados de toda angústia e aflição, possuirão a terra prometida, serão saciados, encontrarão misericórdia, verão a Deus, serão chamados filhos de Deus, e será deles o Reino do Céu.
Portanto: Santos são aqueles que Deus faz felizes.
Ser feliz! Que diferença entre as Palavras de Deus e os critérios humanos! Quem é que o nosso mundo considera feliz? Basta a gente ligar a televisão, escutar o rádio, ler jornais e revistas para termos a resposta: felizes são os que possuem mansões requintadas, carrões importados da marca BMW ou Mercedes, roupas de grife e de butiques caras, muito dinheiro e uma gorda conta bancária, quem tem muito prestígio, influência e poder. Ser feliz é o mesmo que possuir muitos bens e comprar tudo do bom e do melhor.
Quem são os que Deus quer fazer felizes?
Jesus vem mudar o nosso pensamento a respeito da felicidade e santidade. Pois, o que para os nossos olhos humanos pode ser motivo de vergonha, humilhação, pobreza, tristeza e lamentação, para Deus é motivo de verdadeira alegria e felicidade.
Jesus revela nas bem-aventuranças, que Deus faz felizes aqueles que são vítimas do desamor. São esses os preferidos, os mais amados de Deus. É através deles que Deus quer ensinar o mundo todo a amar. Por isso, as bem-aventuranças são caminho de santidade.
No Evangelho, quem é considerado por Jesus “bem-aventurado”, feliz? Quem é chamado "filho de Deus”? Quem é que “verá a Deus”? De quem é o “Reino dos Céus”?
As pessoas felizes, os bem-aventurados, os cidadãos do Reino dos Céus são os que têm um espírito humilde, são os “aflitos”, são os “mansos”, são os que têm “fome e sede de Justiça”, são os “puros de coração”, são os “misericordiosos”, são os “que promovem a paz”.
Quem é esse “pobre em espírito”? É aquele que tem o espírito vazio de si próprio, a ponto de reconhecer sua pequenez e pedir humildemente que Deus ocupe esse vazio do seu espírito. Não importa se a pessoa é rica ou pobre de dinheiro, pois não é impossível para o pobre ser arrogante, nem para o rico ser humilde. O Reino dos Céus é destas pessoas porque são estas que se permitem ser preenchidas, no seu vazio, pelo próprio Deus. São estas pessoas que espalham as sementes do Reino dos Céus em forma de amor e misericórdia.
“Felizes são os mansos” que se apresentam como os “puros de coração”, porque a malícia não encontra lugar em suas vidas. A ânsia pelo poder não poluiu as suas mentes (“coração”, no judaísmo, é a sede da inteligência e das decisões).
A “bem-aventurança” é uma promessa que já se inicia aqui na terra. A felicidade do Reino começa aqui e agora, entre nós.
Porém, no caminho da santidade não estamos isentos de adversidades, sofrimentos, renúncias, perseguições etc. É disso Jesus também fala: “Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu. Felizes vocês, se forem insultados e perseguidos, e se disserem todo tipo de calúnia contra vocês, por causa de mim. Fiquem alegres e contentes, porque será grande para vocês a recompensa no céu. Do mesmo modo perseguiram os profetas que vieram antes de vocês”.
O discípulo de Jesus deve ter consciência das consequências de seu modo de agir: será hostilizado por aqueles que se negam a reconhecer os direitos dos outros, mas se alegrará com a promessa da posse do Reino dos Céus.
As bem-aventuranças constituem, de fato, o programa de vida do discípulo de Jesus. Se quisermos uma cartilha do cristão, aí está. Se alguém preferir um manual para ser um verdadeiro cristão, é só aplicá-lo.
O Evangelho de hoje é um sério questionamento para todos nós. As bem-aventuranças de Jesus de Nazaré estão numa franca oposição aos critérios do nosso mundo. Será que eu e você seríamos aprovados no vestibular ou no exame das bem-aventuranças? Quem de nós vive a Sua verdade? Tentemos!
Frei Gunther Max Walzer