Homilia - 05/09/2021 - XXIII Domingo do Tempo Comum
O mês de setembro é o “Mês da Bíblia”. Deus comunica-se através da Palavra.
Com facilidade nós nos comunicamos com alguém, usando a Internet e o WhatsApp, além do celular e os mais diversos aplicativos. No entanto, com facilidade podemos perceber uma realidade que, mesmo com tantos instrumentos de comunicação, os nossos relacionamentos tornaram-se cada vez mais superficiais e, em vez de nos aproximar uns dos outros, aumentaram as distâncias e fronteiras. Cada momento somos bombardeados por notícias, informações, publicidades e, nessa época das eleições, pela propaganda eleitoral. Ainda mais com os protocolos da pandemia, parece crescer a dificuldade de nos comunicarmos uns com os outros, a dificuldade de manter relacionamentos de amizade, de conhecimento, de troca de experiências pessoais. O exemplo mais típico de distanciamento pessoal, dizem os pesquisadores sociais, está nos sites de relacionamentos da Internet que tiveram considerável aumento. A vontade humana por contatos e relacionamentos existe, mas estamos nos distanciando para não interferir na vida e esfera pessoal: amigos sim, mas distantes.
Para nós que nos comunicamos ouvindo palavras, a comunicação dos surdos nos parece estranha. Os surdos se comunicam por gestos e sinais. Eles não “ouvem” com os ouvidos, mas com os olhos.
Também Deus procura comunicar-se conosco. A Bíblia é a Palavra, é a comunicação que Deus mantém conosco. A Palavra de Deus não está somente na Bíblia. Toda a vida é Palavra de Deus. Mas, para entender o que Deus nos quer dizer com tudo que acontece, a Bíblia nos pode iluminar. Ela foi escrita a partir da experiência de Deus de um povo que descobria a “voz” de Deus na criação, na história da sua libertação, nos acontecimentos, na fala dos profetas, na sua Lei e, mais tarde, na pessoa de Jesus. Jesus é a Palavra de Deus, diz São João. Esta voz de Deus, que encontramos na Bíblia, agora é luz para nós e nos guia na caminhada da vida.
O Evangelho fala de “um homem surdo, que falava com dificuldade”.
Penso que vivemos numa sociedade fechada que, paulatinamente, vai se tornando cega, surda e muda. Numa sociedade com dificuldade de comunicar-se com relacionamentos humanos e fraternos, aumenta a falta de respeito pela vida, a criminalidade e a violência.
No Antigo Testamento, o profeta Isaías vê um povo cego, surdo e mudo e, por isso, fala de um povo novo, tocado por Deus para poder comunicar-se: os cegos verão, os surdos ouvirão e os mudos falarão. “Então se abrirão os olhos do cego. E se desimpedirão os ouvidos dos surdos; então o coxo saltará como um cervo, e a língua do mudo dará gritos alegres” (Is 5,5-6).
Sofremos, atualmente, as consequências nada favoráveis devido ao que se chama de crise econômica e financeira, causada pela crise moral e ética de tantos que se serviram do que é de todos para o enriquecimento pessoal.
Não nos podemos tornar pessoas fechadas em ideologias: pessoas surdas aos apelos de famintos que, só no Brasil, chega a milhões e de treze milhões de desempregados. É dolorido saber que tantos que poderiam ajudar e fazer alguma coisa, porque veem e conhecem a pobreza que circunda suas cidades, mas se fazem de cegos. O pior cego, diz o ditado popular, é aquele que não quer ver.
São Tiago diz que não devemos fazer acepção de pessoas em nossas comunidades. “Guardai-vos de toda acepção de pessoas (Tg 2,1). A discriminação de pessoas, principalmente dos pobres e “diferentes”, não faz parte do dicionário de muitos. Ninguém é importante pelo que tem, mas porque é gente, é pessoa humana.
O preconceito é a palavra que se tornou muito poderosa, capaz inclusive de colocar alguém na cadeia, porque qualquer pensamento diferente contra alguém ou contra algum comportamento pode ser interpretado como preconceito. Às vezes, tenho a impressão que este tipo de preconceito para tudo está se tornando uma espécie de tirania velada, algo parecido a uma ditadura (não somente dos homossexuais) para impor ideias e ideologias com agressividade. Da parte dos ativistas é tudo normal, sem nenhum tipo de preconceito com quem expressa um ponto de vista contrário.
Não estou afirmando que não exista preconceito. Sim, infelizmente o preconceito ou vários tipos de preconceitos existem e prejudicam muita gente honesta e digna. Por isso, precisam ser combatidos. A Igreja sempre — desde sua origem — considerou o preconceito um comportamento e um pensamento anticristãos. Mas é preciso, neste momento, distinguir o que é preconceituoso e o uso deste termo para agredir e criar violências, daquilo que é um pensamento diferente. Como diz Tiago, não se pode servir de um artifício para se tornar injusto.
No Evangelho, o que chama, normalmente, a atenção, é, sem dúvida, a cura de um homem surdo-mudo (literalmente, surdo-gago). Essa narrativa poderia causar apenas a admiração por Jesus “ser muito poderoso”, por “fazer milagres”. Mas, quando o Evangelho conta essa cura, é para percebermos que, com Jesus, o Reinado prometido e esperado está realmente despontando na história humana. Jesus vem para transformar toda a vida, todo o mundo, todas as pessoas, por inteiro. Assim, a cura do surdo-mudo é uma espécie de “senha” para percebermos que o tempo messiânico chegou.
Nós que somos discípulos e discípulas de Jesus, aprendemos do Mestre a possibilidade — e mais que isso, a necessidade — de fazer bem todas as coisas; de abrir os ouvidos das pessoas para que ouçam propostas de vida, que vêm do Evangelho. Não devemos abrir a boca somente para criticar, mas para falar palavras de esperança, sem deixar de denunciar aquilo que cala a vida do povo e, principalmente, aquilo que faz adoecer a vida de milhões de pessoas. Falar também de nosso sonho, de uma libertação que favoreça a todos e que nos faça irmãos uns dos outros, como pede São Tiago. Uma libertação inspirada pela proposta do Evangelho, como fez Jesus ao curar surdo-mudo. Que a voz de quem sofre cure os surdos que vivem nas grandes colinas e planaltos do poder.
“Muito impressionados, diziam: ‘Ele tem feito bem todas as coisas: Aos surdos faz ouvir e aos mudos falar’" (Mt 7.37).
Frei Gunther Max Walzer