Homilia - 24/10/2021 - XXX Domingo do Tempo Comum
Vivemos, atualmente, num contexto de sofrimento e tristeza, lamentando a morte de tantas pessoas e entes queridos, vítimas dessa terrível pandemia que se espalhou pelo mundo inteiro.
Constatamos também o sofrimento do povo devido a lideranças que visam e seguem a idolatria do poder ligado à idolatria do dinheiro.
Este contexto social produz diversas cegueiras. Uma delas é a cegueira dos que pensam que a agressividade e a violência sejam as únicas formas de resolver os problemas.
Outra cegueira é ficar alheio a todo o contexto de sofrimento e, a exemplo de Bartimeu, o cego mencionado no Evangelho, ficar sentado à beira do caminho esmolando para receber de graça o sustento da vida.
Outra cegueira é aquela da raiva diante da impotência de poderes que arrogantemente se distanciam do povo e só aparecem antes das eleições para receber os votos do povo. São cegueiras extremas: aquela violenta e agressiva e aquela da falta de sensibilidade social.
O texto do Evangelho nos conta o episódio da cura do cego de Jericó. O cego Bartimeu estava sentado à beira da estrada, ele conhecia as suas deficiências: ele não enxergava, não podia ver nada.
Será que somos cegos também? Cegos são muitos cristãos, porque não enxergam a realidade ou veem a realidade através de um filtro do seu eu, isto é, só enxergam aquilo que lhes convém. Muitas coisas erradas acontecem e não enxergamos ou não queremos enxergar.
Bartimeu representa tantos irmãos e irmãs que não veem as enganações, as maldades, as injustiças. Falácias e “fakes news” que os deixam cegos para a realidade da vida e presos à margem do caminho. São os nossos excluídos, que vivem sem poder caminhar nas estradas da vida. Quantos de nós, por exemplo, estavam cegos diante de promessas políticas mentirosas porque não víamos as falcatruas e a corrupção que existia por traz de tantas promessas.
Também, temos cegos à beira do caminho da Igreja: gente que vem à igreja, participa, sai da missa e continua tudo como era antes. Não percebem que há um caminho que está sendo proposto no Evangelho por Jesus. É gente que pensa que o suficiente é vir à missa aos domingos, gente que não sabe o que a Igreja diz sobre a vida, a família, a solidariedade, a justiça social. Há gente que não sabe que todos os batizados estão convocados a participarem do Sínodo dos Bispos 2023 que inauguramos no domingo passado em nossa Arquidiocese de Florianópolis.
O Evangelho também chama a nossa atenção: o cego grita e alguns querem que ele fique quieto.
É a turma do “deixa disso”, a turma do “não adianta”, a turma do “é assim mesmo”, a turma que deixa o povo cego, ignorante.
É a turma que critica a confissão, porque a considera antiquada; critica a caridade para com os pobres, porque dizem que está se ajudando a vagabundagem e a preguiça.
Queriam que ele se calasse. Isso pode acontecer conosco. Quando começamos a nos perguntar pelo caminho certo da vida, surgem as vozes que nos querem desanimar, nos querem fazer desistir, são os próprios familiares, são vizinhos, amigos de festa, os que continuam nas trilhas da corrupção, os que gozam de nossa participação ativa na Igreja, dizendo que religião é coisa das mulheres, ou os que põem mil defeitos nos padres e na Igreja.
Mas o cego não desanima, ele gritou; e quando mandarem calar-se, gritou mais alto ainda: “Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim!” E Jesus o chama. Aí não dá mais para segurá-lo. Ele vai a Jesus: ele grita, joga fora a capa, dá pulos.
E o milagre acontece. “A tua fé te curou”.
O cego recuperou a vista e seguiu Jesus pelo caminho. O cego curado é modelo do discípulo que precisa ver direito quem é Jesus, precisa conhecer bem o que ele propõe, para depois seguir com ele pelo caminho, mesmo que esse caminho passe pela cruz. Só se torna discípulo de Jesus aquele que quer ver, quer conhecer; é andando com Jesus que a vista vai clareando ao longo da estrada da vida.
Toda doença necessita de um tratamento. O oculista é Jesus. Os óculos para corrigir o defeito da vista é a fé. É assim que curamos a nossa miopia e conseguimos ver mais longe, para além dos horizontes humanos.
O milagre que o Evangelho conta não é apenas um fato sensacional, no estilo do “Fantástico”. É um desafio para nós.
Será que nós já percebemos a nossa própria cegueira? Será que não sou também um Bartimeu sentado à beira do caminho da vida que comete sempre os mesmos erros, um cego pedindo esmolas, sempre dependendo dos outros, dependendo das coisas materiais, ou que está numa dependência de determinados hábitos e vícios.
Mas, quem sabe, nós, talvez, precisamos de alguém - como aqueles que se aproximam de Bartimeu -, para nos dizer: “Coragem, levanta-te, ele te chama”.
O encontro com Jesus não deixa o Bartimeu numa situação confortável. Antes ele estava sentado; agora ele deve levantar-se e caminhar.
Quem se aproxima de Cristo não vai se deparar com uma vida fácil, confortável, privilegiada. A luz que Bartimeu recebeu o obriga a rever muitos hábitos, muitos comportamentos, muitas amizades. Cristo questiona a maneira de administrar a própria vida, o próprio tempo, os próprios bens.
“Bartimeu começou a ver de novo e foi seguindo Jesus pelo caminho” (Mc 10,52).
Quem é iluminado pelo Evangelho se aproxime dos “cegos” e lhes diga: coragem, levanta-te, Jesus te chama
Frei Gunther Max Walzer