Homilia - 29/07/2012 - 17º Domingo Tempo Comum
A fome é, sem dúvida, um dos maiores flagelos da humanidade e constitui um dos grandes desafios para as autoridades, as instituições e a sociedade toda. A televisão mostra, diariamente, imagens horripilantes de multidões famintas, dentro e fora do país. Mas, será que não é muito vaga a ideia que fazemos do problema da fome?
No mundo cerca de 100 milhões de pessoas estão sem teto; existem 1 bilhão de analfabetos; 1,1 bilhão de pessoas vivem na pobreza; 1,5 bilhão de pessoas sem água potável; 1 bilhão de pessoas passando fome; 150 milhões de crianças subnutridas; 12,9 milhões de crianças morrem a cada ano antes dos seus 5 anos de vida. No Brasil, a cada cinco minutos, morre uma criança. A maioria morre de doenças provocadas pela fome.
No Brasil a fome (em números redondos) atinge cerca de 30 milhões. E os políticos divergem (por outros interesses) se para cerca de 15 milhões o Bolsa Família é solução ou só adia a solução.
Alguns dados a título de curiosidade:
O Brasil é o país da diversidade. Só a Ceagesp em São Paulo joga no lixo 1% de frutas e hortaliças (seria aproveitável para consumo: 40%). O Brasil tem 32 milhões de cães e 16 milhões de gatos. Acredita-se que seja a segunda maior população desses bichos no planeta, inferior apenas à existente nos Estados Unidos. Em 2008, esses animais devoraram quase dois milhões de toneladas de comida (equivalente a 680 000 bois gordos). Existem cerca de 40 000 pet shops espalhados pelo país. Significa que há um desses estabelecimentos para cada 1 200 bichos – contra uma farmácia para cada 2 600 pessoas no Brasil. (Dados encontrados na revista VEJA)
Por que estou lhes dizendo tudo isso? Porque as leituras nos falam que o povo estava sem pão, sem comida. Afinal, qual é a raiz do problema da fome? Os textos das leituras de hoje nos podem ajudar na reflexão e, talvez, nos podem dar uma resposta.
Na primeira leitura encontramos o Profeta Eliseu que recebeu um presente providencial numa situação de extrema necessidade: Um homem, vindo de longe, trouxe “vinte pães de cevada e trigo novo”. O “homem de Deus”, como chamavam o profeta Eliseu, poderia ter pensado apenas em si mesmo. Levado pelo egoísmo, podia ter simplesmente devorado os pães, pois ele mesmo estava, também, com bastante fome. Mas o profeta não agiu assim. Mandou distribuir o pão para todo o pessoal. E o resultado, qual foi? “Todos comeram e ainda sobrou pão”.
O Evangelho repete a cena da primeira leitura. No meio da multidão está um rapaz que tem cinco pães de cevada e dois peixes. Se o rapaz fosse egoísta, podia ter pensado assim: “Bem, vou comer o que tenho. Assim, pelo menos, eu não vou passar fome”. Mas ao contrário, o rapaz colocou seu pouco à disposição de todos. E o milagre aconteceu. Todos comeram “quanto queriam” e ainda sobraram doze cestos dos cinco pães.
Embora nós sempre demos a este texto do Evangelho o título “milagre da “multiplicação dos pães”, em nenhum dos quatro relatos usa-se a palavra “multiplicar”! Usam-se outras palavras nos quatro evangelhos: “distribuir”, “partilhar”!
O milagre, pois, não acontece através da multiplicação dos pães, mas acontece pela partilha. O título deste trecho do evangelho não deveria ser “multiplicação dos pães”, mas “o milagre da partilha”.
André percebe na sua frente um menino com cinco pães e dois peixinhos... Jesus ordena aos discípulos que acomodem a multidão...
Num gesto que depois é repetido na Eucaristia: “Jesus toma os pães, dá graças e distribui aos que estavam sentados, tanto quanto queriam”.
Vivemos um momento muito delicado em nossa história: violência, acumulação, guerras entre nações, terror, medo... multidões famintas perambulam nas regiões mais pobres de nosso país; perambulam pelas estradas da África, do Oriente Médio, da Ásia... “Onde compraremos pão para alimentá-las?” Jesus nos pergunta hoje como perguntou a Filipe...
E André, onde está? Onde está André apontando para o menino com cinco pães e dois peixinhos? Jesus nos desafia hoje de novo... E’ tempo de nos sentarmos, de contemplarmos as atitudes do Mestre: “tomou os pães, deu graças e distribuiu aos presentes...”.
É’ tempo de Eucaristia! A comunidade cristã é a turma do “pão partilhado”. Façamos o que Jesus nos mandou “fazer em sua memória”: dar-se a si mesmo como pão!
Não podemos ficar indiferentes diante desta multidão faminta!
Crianças com fome esperam nossa solidariedade, jovens continuam sendo assassinados pelo tráfico da droga. Temos que ser André educando as crianças e jovens para a solidariedade. Não podemos permitir que eles ficam se isolando passando horas e horas diante da “telinha” do computador ou do video-game.
Onde está André? Será que eu e você não somos chamados a ser André neste tempo?
É’ verdade que teríamos o direito de nos desculpar diante dos escândalos que estão acontecendo na política, na religião e na economia, mas jamais teremos o direito de nos desculpar diante do olhar de quem tem fome.
Com a multiplicação dos pães, Jesus não resolveu a pobreza de sua pátria, mas nos diz que devemos multiplicar nossos gestos de amor, multiplicar nossa caridade, não para resolver de uma vez o problema do pobre (“pobres sempre tereis”), mas para que o amor continue aceso entre nós, como presença de Cristo que multiplica e dá o cêntuplo aos generosos.
Neste mundo existem muitos preocupados em multiplicar seus lucros: Aumentando assim, o número de clientes, de filiais das lojas e fábricas, de vendas, o número de seus carros, casas, etc. eles não percebem que nada disso poderão levar consigo quando chegar a sua hora de partir desta vida.
E nós? Afinal de contas o que levamos conosco? O que precisamos multiplicar? Nós precisamos multiplicar a nossa caridade, a solidariedade, a nossa justiça para com os nossos irmãos, a prudência, a catequese, a esperança e a nossa fé. Ou seja, precisamos multiplicar o nosso amor a Deus e ao próximo.
Jesus multiplicou os pães. Será que ele deu uma esmola ao povo que estava com fome? Não! Jesus fez o rapaz repartir o que ele tinha. O que Jesus nos ensina no Evangelho de hoje não é como dar esmola, mas como repartir o que temos. No fundo, o dinheiro e as coisas materiais devem servir para criar mais fraternidade.
A multiplicação sempre se liga à Eucaristia. Quem se reúne aqui para celebrar Eucaristia é a “turma do pão partilhado”. Sim, nós somos a “turma do pão partilhado”. Nosso Deus quer ser celebrado num encontro onde partilhamos, com igualdade e fraternidade, o pão.
Irmãos, aprendamos a lição do Evangelho de hoje, a de partilhar o pão. Aliás, não há segredo nenhum. Basta ter muito amor dentro do peito. Sim, Jesus entra no mundo pela porta da cozinha, através de um pedaço de pão dado com amor. O cristianismo não é apenas revelação de mistérios da fé, não é uma doutrina, não é uma corrente filosófica. Cristianismo é amor e vida. Não há amor e vida onde estiver faltando pão.
Por isso, quando partilhamos com os pobres o nosso pão e quando repartirmos com eles o pão do amor – então a nossa Igreja será uma Igreja acreditada. Enquanto a Igreja não passar pelo teste do pão, muitos não acreditam nela.
Mas, lembre-se: IGREJA SOMOS NÓS, IGREJA SOU EU, IGREJA É VOCÊ!
Frei Gunther Max Walzer