Homilia - 26/05/2013 - Santíssima Trindade
“Por favor, sua carteira de identidade!” Quantas vezes já tivemos que apresentar a nossa carteira de identidade. Tiramos o documento do nosso bolso e mostramos a quem nos havia solicitado e, deste modo, fomos logo identificados.
“Por favor, sua carteira de identidade cristã!” Se alguém nos pedisse a carteira de identidade de cristão, o que a gente apresentaria? Qual é a característica que nos distingue dos seguidores de outras religiões? Será que é o amor ao próximo? Acredito que não! Também os outros praticam o bem e a caridade. Ou será que é a nossa fé em Deus que nos distingue dos outros? Até os pagãos, os budistas, os hindus... têm fé e acreditam numa divindade, num ser superior. Será que a nossa diferença está na oração? Também os muçulmanos rezam... Três vezes durante o dia eles se ajoelham em direção a Mecca e rezam. Então, o que nos distingue dos outros? Qual é a nossa identidade cristã?
Cremos em Deus-Trindade. Fomos batizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A foto que se encontra em nossa "carteira de identidade de cristão" é a foto da Santíssima Trindade. Esta é a nossa fotografia, pois fomos criados à imagem e semelhança deste Deus que é TRINDADE, que é Pai, Filho e Espírito Santo.
Como é o rosto de Deus? Ninguém nunca viu a Deus. Mas ele se revelou a nós através de Jesus que nos revelou Deus através do seu modo de ser, de pensar, de ensinar, de agir. Jesus chamava Deus de Pai. E assim ensinou também aos discípulos. Ensinou a dizer: Pai nosso...
Jesus falava constantemente do Pai como daquele que o enviou para cumprir sua vontade. Ele mostrou essa vontade do Pai por seu modo de agir: perdoando os pecadores, curando os doentes, valorizando as pessoas.
Certa vez, Filipe, um dos discípulos, pediu: “Senhor, mostra-nos o Pai”. Jesus respondeu: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,8). Com isto, quis dizer que é ele quem mostra como é Deus, o Pai. Jesus não é o Pai. Ele é o filho que fala do seu Pai. Portanto, conhecendo Jesus, conhecemos o modo de ser de Deus-Pai: misericordioso, cheio de amor para com os fracos e excluídos.
Jesus não fala somente do Pai, mas também promete mandar o Espírito Santo. Na leitura do Evangelho ouvimos: “Quando, porém, vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena verdade. Pois ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ‘ouvido’ do Pai e do Filho” (Jo 16,13).
Para São Paulo, como ouvimos na segunda leitura, é muito claro que Deus é Pai, é Filho – nosso Senhor Jesus Cristo – e é Espírito Santo – dom de amor. “O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rom 5,5).
E daí? Poderíamos nos perguntar: “Tudo bem: Deus é Trindade, Deus é Amor. E o que temos a ver com isso?”
No início, dizíamos que a foto da Santíssima Trindade é a nossa fotografia, pois fomos feitos à imagem e semelhança do Deus-Trindade, que é Pai, Filho e Espírito Santo.
Significa que podemos, na nossa pobreza e limitação, amar como o Pai ama, com um amor gratuito, desinteressado, que se interessa pelas necessidades dos outros, que se dá aos outros sem pensar em si.
Se quisermos conhecer Deus, olhemos para Jesus. O jeito de Jesus agir e tratar as pessoas é o jeito como Deus age e trata as pessoas. O modo de acolher as pessoas, fossem elas pecadoras ou não, é o modo como Deus trata as pessoas.
Viver o amor do Pai significa dizer não a todo tipo de autoritarismo, de centralismo, de egoísmo. É sair de si e ir ao encontro do outro, sem nenhuma exigência de retribuição e contrapartida. É preocupar-me com o outro, com seu bem-estar, sua felicidade. Descubro que eu não sou o centro do mundo. Devo sair de mim para encontrar o outro, sem armas, sem reservas, sem preconceitos. Dou-me ao outro sem imposições. Amar é, simplesmente, dar-se.
Trazendo em nós a imagem de Deus-Trindade significa também que podemos viver como o Filho: deixando-nos amar gratuitamente, estando abertos para receber o amor que nos é dado gratuitamente por Deus, pelos irmãos. Ter o coração agradecido por todo o amor que, de graça, recebemos. Mas, não nos enganemos! Deixar-nos amar é mais difícil do que pensamos. É mais fácil exigir amor, exigimos que os outros nos amem como queremos. Mais difícil é reconhecer o amor que nos é dado muitas vezes e em muitas ocasiões. Viver como amados(as) é ser consciente e agradecido pelo amor recebido.
Dar e receber amor é a dinâmica da comunidade. É preciso muita humildade, pois, primeiramente, devemos reconhecer que não nos bastamos a nós mesmos, que precisamos do outro, da comunidade para amarmos e para sermos amados, e, assim, podemos sentir o amor de Deus.
E o Espírito Santo... onde fica? Ele está presente justamente nesta dinâmica: dar e receber amor, Ele é a presença do Amor. Quando amamos e quando nos deixamos amar, o Espírito do Amor, o Espírito Santo está presente. Nós sentimos sua presença, mesmo quando não sabemos defini-la. Presença de Deus! O Espírito Santo está presente quando deixamos de lado todos os fechamentos, os esquemas preestabelecidos, os preconceitos, os dogmatismos... pois, “o Espírito sopra onde quer”.
Por fim, festejando, hoje, a solenidade da Santíssima Trindade, devemos reconhecer que Deus é muito mais do que conseguimos dizer dele. E quando o chamamos de “Santíssima Trindade”, afirmamos que Deus é um mistério, mas não um mistério simplesmente incompreensível, mas um mistério de amor. Amor não se explica, simplesmente se ama. Com o mistério da Santíssima Trindade é assim também: não adianta querermos explicações.
O que sabemos, e disso temos certeza, a Trindade tem muito a ver com a nossa vida, da vivência do amor.
De fato, temos muita dificuldade em entender o mistério da Santíssima Trindade. Sabem por quê? Porque ainda não conseguimos encarnar, completamente, o amor de Deus.
"Quem me vê, vê o Pai", disse Jesus. Hoje, deveríamos mostrar nossa carteira de cristão e dizer: "Quem vê os cristãos, vê o amor de Deus, vê a Deus e seu amor presente entre nós".
Frei Gunther Max Walzer, Ofm